Sobre Estratégias
Argumentativas (P. 30, 33 e 34)
Texto para as questões 1 e 2
Herói na
contemporaneidade
Quando
eu era criança, passava todo o tempo desenhando super-heróis.
Recorro
ao historiador de mitologia Joseph Campbell, que diferenciava as duas figuras
públicas: o herói (figura pública antiga) e a celebridade (a figura pública
moderna). Enquanto a celebridade se populariza por viver para si mesma, o herói
assim se tornava por viver servindo sua comunidade. Todo super-herói deve
atravessar alguma via crucis. Gandhi, líder pacifista indiano, disse que,
quanto maior nosso sacrifício, maior será nossa conquista. Como Hércules, como
Batman.
Toda
história em quadrinhos traz em si alguma coisa de industrial e marginal, ao
mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Os filmes de super-herói, ainda que
transpondo essa cultura para a grande e famigerada indústria, realizam uma outra
façanha, que provavelmente sem eles não ocorreria: a formação de novas mitologias
reafirmando os mesmos ideais heróicos da Antiguidade para o homem moderno. O
cineasta italiano Fellini afirmou uma vez que Stan Lee, o criador da editora
Marvel e de diversos heróis populares, era o Homero dos quadrinhos.
Toda boa história de super-herói é uma história de exclusão social. Homem-Aranha é um nerd, Hulk é um monstro amaldiçoado, Demolidor é um deficiente, os X-Men são indivíduos excepcionais, Batman é um órfão, Super-Homem é um alienígena expatriado. São todos símbolos da solidão, da sobrevivência e da abnegação humana.
Não
se ama um herói pelos seus poderes, mas pela sua dor. Nossos olhos podem até se
voltar a eles por suas habilidades fantásticas, mas é na humanidade que eles
crescem dentro do gosto popular. Os superheróis que não sofrem ou simplesmente
trabalham para o sistema vigente tendem a se tornar meio bobos, como o
Tocha-Humana ou o Capitão América.
Hulk
e Homem-Aranha são seres que criticam a inconsequência da ciência, com sua energia
atômica e suas experiências genéticas. Os X-Men nos advertem para a educação
inclusiva. Super-Homem é aquele que mais se aproxima de Jesus Cristo, e por
isso talvez seja o mais popular de todos, em seu sacrifício solitário em defesa
dos seres humanos, mas também tem algo de Aquiles, com seu calcanhar que é a
kriptonita. Humano e super-herói, como Gandhi.
Não
houve nenhuma literatura que tenha me marcado mais do que essas histórias em
quadrinhos. Eu raramente as leio hoje em dia, mas quando assisto a bons filmes
de super-heróis eu lembro que todos temos um lado ingênuo e bom, que pode ser
capaz de suportar a dor da solidão por um princípio.
CHUÍ, Fernando. Adaptado de http://fernandochui.blogspot.com
1)
(Uerj / 2009–Exame de Qualificação)
A argumentação se estrutura por meio de diferentes mecanismos discursivos. No
quarto parágrafo, o mecanismo empregado consiste na apresentação de:
(A)
opinião apoiada em exemplos
(B)
alegação partilhada por muitos
(C)
construção caracterizada como dialética
(D)
definição baseada em elementos válidos
Gabarito comentado: (A)
No
quarto parágrafo, o autor defende sua opinião de que “toda boa história de
super-herói é uma história de exclusão social”. Para isso, usa exemplos de
super-heróis que são excluídos sociais, como Homem-aranha, Hulk, Batman e os
X-men.
2)
(Uerj / 2009 – Exame de
Qualificação) A utilização de testemunhos autorizados, como o de Fellini, é uma
conhecida estratégia retórica. O uso dessa estratégia produz, no texto, o
efeito de:
(A)
oposição entre estilos diversificados
(B)
exemplificação de opiniões variadas
(C)
delimitação de um contraponto temporal
(D) confirmação dos posicionamentos
do autor
Gabarito
comentado: (D)
O argumento de autoridade, como o
enunciado da questão afirma, é uma conhecida estratégia argumentativa. Ele dá
credibilidade à tese defendida, ao fazer com que o texto se apoie em um testemunho
de alguém com autoridade para emitir opiniões em uma determinada área do
conhecimento. Ao trazer para o seu texto a afirmação de um cineasta sobre um
criador de histórias em quadrinhos (“Stan Lee era o Homero dos quadrinhos”), o
autor confirma aquilo que é também a sua opinião: “Os filmes de
super-herói (...) realizam uma outra façanha (...): a formação de novas
mitologias reafirmando os mesmos ideais heroicos da Antiguidade para o homem
moderno”
Texto para a questão 8
O mundo para todos
Durante
debate recente, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da
internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que
esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez
que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma
resposta minha.
De
fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia.
Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio,
ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação
ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua internacionalização, como
também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade. Se a Amazônia, sob
uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as
reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o
bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os
donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de
petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar
esse imenso patrimônio da Humanidade.
Da
mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser
internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos,
ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a
Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias
dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras
sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes
mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes
museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do
mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode
deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja
manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz
muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro de um grande
mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante
o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio,
mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por
constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como
sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan
deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres,
Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua
história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se
os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de
brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque
eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma
destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas
florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA
têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em
troca da dívida.
Comecemos
usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade
de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não
importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo
inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia.
Quando
os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da
Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que
morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização
do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a
Amazônia seja nossa. Só nossa.
BUARQUE,
Cristovam. O Globo, 23/10/2000.
8)
(Uerj / 2003 – Exame de
Qualificação) Cristovam Buarque, ao revelar os interesses ocultos na defesa da
internacionalização da Amazônia, utiliza um recurso argumentativo conhecido
como “redução ao absurdo”. Esse recurso consiste na aceitação inicial de uma
proposição para dela extrair decorrências absurdas ou inaceitáveis. O trecho
que melhor exemplifica o uso deste recurso, em relação à proposta de
internacionalização, é:
(A)
“Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países
inteiros na volúpia da especulação.”
(B)
“Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio
humano.”
(C)
“Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural
amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um
país.”
(D)
“Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos
de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA.”
Gabarito comentado:
(D)
Ao
longo de seu texto, Cristovam Buarque, utiliza diversas vezes a redução ao
absurdo como estratégia argumentativa, quando afirma que deveriam
internacionalizar, assim como querem fazer com a Amazônia, vários outros
patrimônios, como as reservas de petróleo, o capital financeiro, os grandes
museus do mundo, Nova York, os arsenais nucleares e as crianças pobres do planeta.
Ao fazer isso, ele explica o motivo pelo qual deveríamos internacionalizar
esses itens. Nas três primeiras alternativas o que temos são essas
justificativas, a única que apresenta a redução ao absurdo é a D, em que
primeiro há aceitação inicial de uma proposição (“Se os EUA querem
internacionalizar a Amazônia”) e, depois, a extração de decorrências absurdas
ou inaceitáveis (“internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA”).
Sobre Métodos de
Raciocínio (P. 34 e 35)
Texto para a questão 1
A pátria
“Desde
dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar
inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em
que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em
nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das
suas cousas de tupi, do folklore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo
em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!
O
tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à
loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não
era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se
fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa
gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar
prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série,
melhor, um encadeamento de decepções.
A
pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio
do seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política
que julgava existir, havia. A que existia de fato, era a do Tenente Antonino, a
do doutor Campos, a do homem do Itamarati.
E,
bem pensando, mesmo na sua pureza, o que vinha a ser a Pátria? Não teria levado
toda a sua vida norteado por uma ilusão, por uma ideia a menos, sem base, sem
apoio, por um Deus ou uma Deusa cujo império se esvaía? Não sabia que essa
ideia nascera da amplificação da crendice dos povos greco-romanos de que os
ancestrais mortos continuariam a viver como sombras e era preciso alimentá-las
para que eles não perseguissem os descendentes? Lembrou-se do seu Fustel de
Coulanges... Lembrou-se de que essa noção nada é para os Menenanã, para tantas
pessoas... Pareceu-lhe que essa ideia como que fora explorada pelos conquistadores
por instantes sabedores das nossas subserviências psicológicas, no intuito de
servir às suas próprias ambições...
Reviu
a história; viu as mutilações, os acréscimos em todos os países históricos e
perguntou de si para si: como um homem que vivesse quatro séculos, sendo francês,
inglês, italiano, alemão, podia sentir a Pátria?
Uma
hora, para o francês, o Franco-Condado era terra dos seus avós, outra não era;
num dado momento, a Alsácia não era, depois era e afinal não vinha a ser.
Nós
mesmos não tivemos a Cisplatina e não a perdemos; e, porventura, sentimos que
haja lá manes dos nossos avós e por isso sofremos qualquer mágoa?
Certamente
era uma noção sem consistência racional e precisava ser revista.”
BARRETO, Lima.Triste fim de Policarpo Quaresma.
São Paulo: Brasiliense, 1986.
1)
(Uerj / 2001 – Exame de
Qualificação) O personagem Policarpo Quaresma, no trecho acima, se encontra
preso, prestes a ser executado pelo exército de Floriano Peixoto, por ter
escrito uma carta ao presidente protestando contra o assassinato de
prisioneiros. Antes de ser executado, ele reflete sobre a noção de pátria. Nos
dois primeiros parágrafos, ele parte de suas próprias experiências, o que
configura o seguinte método de raciocínio:
(A)
indutivo, pensando do particular para o geral
(B)
dedutivo, pensando do abstrato para o concreto
(C)
dialético, pensando a partir das suas contradições
(D)
sofismático, pensando do geral para o particular
Gabarito comentado: (A)
No
momento de reflexão sobre a pátria, o personagem começa pelas suas experiências
particulares (“Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele
fizera a tolice de estudar inutilidades (...) Lembrou-se das suas cousas de
Tupi, de Folklore, das suas tentativas agrícolas...”) e, em seguida, chega a
uma ideia geral sobre o Brasil (“E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o
que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? (...) A
pátria que quisera ter era um mito...”) Usa, portanto, o método indutivo, caracterizado
pela passagem do particular para o geral.
Texto
para a questão 2
O problema não é a
escassez de recursos
Assessor
da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Libânio diz que o
levantamento sobre as condições de vida no Rio demonstra que a relação da instituição
com o Brasil se dará cada vez mais no campo da informação e menos no de
recursos financeiros.
O GLOBO: Por que o Rio foi escolhido para
ter o primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano de uma cidade?
JOSÉ
CARLOS LIBÂNIO: Primeiro, pela oferta de recursos intelectuais, que permitiu
não só a criação de novos indicadores, como também desagregá-los. O Brasil foi
o primeiro país a ter um índice para todas as cidades. Com a experiência, resolvemos
enfrentar o desafio de fazer o mesmo em nível local. O Rio foi escolhido porque
se destaca no imaginário nacional e mundial. Era preciso identificar suas
peculiaridades e talentos para planejar o seu futuro.
Em que situação de desenvolvimento humano o
Rio se encontra?
LIBÂNIO:
Olhamos para a vida carioca por diversos prismas e aparece uma cidade
inusitada. Está entre as quatro capitais com melhores condições de vida. Mas,
se comparada a outras capitais, sofre uma intensa desproporção de renda. Em
termos de desigualdades, está em 11º. Fica claro que a dificuldade da cidade é a
repartição dos recursos. A Zona Sul, por exemplo, tem renda per capita cinco vezes
maior do que a Zona Norte.
Os problemas do Rio atingem a todos da
mesma maneira?
LIBÂNIO:
A vantagem do relatório é justamente olhar a informação desagregada, fechando o
zoom do microscópio, para identificar onde a cidade está bem e onde não está.
Médias, normalmente, mais escondem do que revelam. Não podemos supor, por
exemplo, que todas as áreas pobres da cidade têm as mesmas condições de
saneamento e acesso à água.
Como a ONU espera que o relatório seja
aproveitado?
LIBÂNIO:
O Brasil está se graduando junto à ONU e ao Banco Mundial. Isso significa que
virão menos recursos a fundo perdido destes dois organismos. Vai ser preciso
que haja mobilização da sociedade, porque vemos que o problema não é a escassez
de recursos. A tendência é de que a ONU mande mais recursos para África e Ásia.
Para o Brasil, os recursos serão mandados em ordem decrescente. O país poderá
continuar contando com a ONU, mas a colaboração para o desenvolvimento se dará
cada vez mais no campo da informação e menos da mobilização dos recursos
financeiros.
LIBÂNIO, José Carlos. O Globo,
24/03/2001.
2)
(Uerj/Uenf / Sade / 2003 - Exame de
Qualificação) Médias, normalmente, mais
escondem do que revelam. Não podemos supor, por exemplo,
que todas as áreas pobres da cidade têm as mesmas condições de saneamento
e acesso à água.
O
trecho transcrito acima critica um uso específico do seguinte método de raciocínio:
(A)
dedutivo
(B)
dialético
(C) indutivo
(D) silogístico
Gabarito comentado: (C)
O
cálculo de médias está associado ao raciocínio indutivo porque parte de diversos
casos particulares para se chegar a um número geral, que valerá para toda uma
realidade. Por exemplo: imagine que, no boletim escolar, João tirou 10 em
português, 8 em história, 8 em estudos sociais, 2 em matemática e 2 em ciências;
sua média geral será 6. Já Maria tirou 6 em todas as matérias, de modo que sua
média geral será também 6. Esse método em que as notas particulares de cada disciplina
geram uma média geral que englobará todas as disciplinas “mais esconde do que
revela” porque, pela média, parece que Maria e João são o mesmo tipo de aluno,
já que têm a mesmíssima média. Contudo, ao ver as notas particulares, constatamos
que João é muito bom em humanas e muito ruim em exatas, ao passo que Maria não
é excelente em nada, mas também não é péssima em nada. A média, portanto,
escondeu a grande diferença entre os desempenhos dos dois alunos.
Sobre Coesão
Referencial (P. 57 e 58)
Texto
para a questão 5
A inteligência do herói estava muito
perturbada. Acordou com os berros da bicharia lá em baixo nas ruas, disparando
entre as malocas temíveis. E aquele diacho de sagüi-açu (...) não era sagüim
não, chamava elevador e era uma máquina. De-manhãzinha ensinaram que todos
aqueles piados berros cuquiadas sopros roncos esturros não eram nada disso não,
eram mas cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máquina. As onças pardas
não eram onças pardas, se chamavam fordes hupmobiles chevrolés dodges mármons e
eram máquinas. Os tamanduás os boitatás as inajás de curuatás de fumo, em vez
eram caminhões bondes autobondes anúncios-luminosos relógios faróis rádios
motocicletas telefones gorjetas postes chaminés... Eram máquinas e tudo na
cidade era só máquina! O herói aprendendo calado. De vez em quando estremecia.
Voltava a ficar imóvel escutando assuntando maquinando numa cisma assombrada.
Tomou-o um respeito cheio de inveja por essa deusa de deveras forçuda, Tupã
famanado que os filhos da mandioca chamavam de Máquina, mais cantadeira que a
Mãe-d’água, em bulhas de sarapantar.
Então resolveu ir brincar com a
Máquina pra ser também imperador dos filhos da mandioca. Mas as três cunhãs
deram muitas risadas e falaram que isso de deuses era gorda mentira antiga, que
não tinha deus não e que com a máquina ninguém não brinca porque ela mata. A
máquina não era deus não, nem possuía os distintivos femininos de que o herói
gostava tanto. Era feita pelos homens. Se mexia com eletricidade com fogo com
água com vento com fumo, os homens aproveitando as forças da natureza. Porém
jacaré acreditou? nem o herói!
(...)
Macunaíma passou então uma semana
sem comer nem brincar só maquinando nas brigas sem vitória dos filhos da
mandioca com a Máquina. A Máquina era que matava os homens porém os homens é
que mandavam na Máquina... Constatou pasmo que os filhos da mandioca eram donos
sem mistério e sem força da máquina sem mistério sem querer sem fastio, incapaz
de explicar as infelicidades por si. Estava nostálgico assim. Até que uma
noite, suspenso no terraço dum arranhacéu com os manos, Macunaíma concluiu:
– Os filhos da mandioca não ganham
da máquina nem ela ganha deles nesta luta. Há empate.
(...)
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1986.
5)
(Uerj/2009 – Exame de Qualificação)
Alguns vocábulos possuem a propriedade de retomar integralmente uma idéia já
apresentada antes. Essa propriedade é observada no vocábulo grifado em:
(A)
“Acordou com os berros da bicharia lá em baixo”
(B)
“Tomou-o um respeito cheio de inveja”
(C)
“Então resolveu ir brincar com a Máquina”
(D)
“Estava nostálgico assim.”
Gabarito comentado: (D)
A nostalgia que toma conta de
Macunaíma é expressa na constatação que o herói faz acerca do tipo de relação
existente entre a máquina e os homens. O vocábulo "assim" faz
referência a essa forma de expressar o estado nostálgico. (Fonte: Revista
Eletrônica do Vestibular)
Texto
para a questão 6
As palavras e as coisas
Guimarães Rosa, possivelmente o
maior escritor brasileiro depois de Machado de Assis, dizia que seu sonho era
escrever um dicionário.
Ignoro se Rosa gostava de futebol
(até onde eu sei, nunca escreveu nada a respeito), mas certamente ele se
encantaria com a riqueza vocabular associada ao esporte mais popular do mundo.
Poliglota, cultor dos neologismos
formados a partir de diversos idiomas, o autor de “Sagarana” devia se deliciar
com as palavras de origem inglesa aclimatadas ao português do Brasil por obra e
graça do jogo da bola.
É certo que alguns desses termos
ingleses caíram em de suso. É o caso de “off-side” (substituído por
“impedimento”), “hands” (“toque” ou “mão”), “centerforward” (“centroavante”)
etc.
Outros, entretanto, foram
devidamente abrasileirados e incorporados de tal maneira ao nosso idioma que
raramente lembramos de sua origem: “chute” (versão de “shoot”), “beque” (de
“back”), “pênalti” (de “penalty”) etc., sem falar no próprio “futebol”
(“football”).
Há ainda as palavras inglesas que
mantiveram uma vigência praticamente apenas regional, como “córner”, ainda
muito usada no Rio de Janeiro, mas substituída no resto do país por
“escanteio”, “tiro de canto” ou somente “canto”.
Rosa, se acompanhasse o futebol, se
deliciaria com a variedade de metáforas produzidas para dar conta do que
acontece dentro das quatro linhas.
Há, por exemplo, o recurso a uma
infinidade de objetos cujo formato ou movimento lembra o de certas jogadas:
carrinho, chapéu, bicicleta, janelinha (expressão gaúcha para bola entre as
pernas), ponte. Mas o ramo mais bonito, do ponto de vista de um escritor, deve
ser o das metáforas extraídas da natureza: meia-lua, frango, peixinho, folha
seca.
Ao criar uma jogada dessas – como
Didi, que “inventou” a folha seca -, ou executá-la com perfeição, um craque faz
poesia pura, rivalizando com Deus e nomeando as coisas como se estivesse no
primeiro dia da Criação.
Guimarães Rosa, infelizmente, não
produziu seu sonhado dicionário.
Nunca
saberemos, portanto, se o homem que criou a saga fantástica de Riobaldo e
Diadorim sabia o significado, dentro do campo de futebol, de uma chaleira, um
lençol, um chaveirinho ou um corta-luz. (...)
COUTO, José Geraldo, Folha de São Paulo, 17/07/02.
6)
(Cederj/2007 – Questões objetivas)
Um dos recursos de coesão textual é o uso de vocábulos sinônimos ou quase
sinônimos, a fim de evitar a repetição literal de um termo. No texto, ao
utilizar essa estratégia, o autor substituiu a palavra “futebol” por:
(A)
esporte;
(B)
jogo da bola;
(C)
quatro linhas;
(D)
campo de futebol;
(E)
jogada.
Gabarito comentado: (B)
Como
todo o texto trata do assunto “futebol”, o autor substitui esta palavra por
outras para evitar repetição. Ele faz isso no segundo parágrafo com a expressão
“esporte mais popular do mundo” e no terceiro parágrafo com a expressão “jogo
da bola”.
Texto
para a questão 7
Qual será o futuro das cidades?
As megacidades vão mudar de endereço
no próximo milênio.
Na periferia da globalização, as
metrópoles subdesenvolvidas concentrarão não apenas população, mas também
miséria. Crescendo num ritmo veloz, dificilmente conseguirão dar a tantas
pessoas habitação, transportes e saneamento básico adequados. Mas não serão as
únicas a enfrentar esses problemas. Mesmo metrópoles do topo da hierarquia
global, como Nova York, já sofrem com congestionamentos, poluição e violência. Independentemente de tamanho ou
localização, as cidades vão enfrentar ao menos um desafio comum: o aumento da
tensão urbana provocado pela crescente desigualdade entre seus moradores. Não
há mágica tecnológica à vista capaz de resolver as dificuldades. Os urbanistas
apontam o planejamento como antídoto para o caos. Os governos precisam apostar
em parcerias com a iniciativa privada e a sociedade civil. Será necessário
coordenar ações locais e iniciativas conjuntas entre cidades de uma mesma
região.
Caderno Especial, Folha de São Paulo,
p.1, 02/5/1999
7)
(UFF/2000 – 2ª Etapa) A coesão
referencial pode ser realizada por meio de formas cujo lexema (radical) forneça
instrução de sentido que represente uma interpretação de partes antecedentes do
texto.
Exemplo:
Imagina-se que, no futuro, haverá aumento das tensões urbanas. Essa hipótese
tem preocupado os cientistas sociais.
Transcreva,
do texto acima, apenas a expressão que, na coesão referencial, exerce papel
semelhante à do trecho sublinhado no exemplo acima.
Gabarito comentado: “...esses
problemas...”
Depois de tratar de alguns
problemas enfrentados pelas metrópoles subdesenvolvidas, como a falta de
habitação, transporte e saneamento básico, o autor afirma que “esses problemas”
também serão enfrentados por grandes metrópoles, como Nova York. A expressão
“esses problemas” cumpre a mesma função da expressão “essa hipótese”, ao
retomar um elemento já citado antes.
(Organização - Tutora Carolina Santiago)